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18/12/2014 às 17h58min - Atualizada em 18/12/2014 às 17h58min

Mobilizações em todo Brasil adiaram mais uma vez a votação da PEC 215 na Comissão Especial do Congresso

Maíra Ribeiro - AXA
Samira Tsibodowapré

A Avenida Ministro João Alberto, principal via da cidade de Barra do Garças, Mato Grosso, ficou paralisada por cerca de uma hora na tarde desta terça-feira (16). Uma manifestação pacífica de indígenas Xavante fechou o trânsito, deixando uma fila de carros e caminhões, e a curiosidade nas pessoas. A manifestação relâmpago foi um protesto contra a insistência da votação do parecer da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/00 na Comissão Especial de Demarcação de Terras Indígenas do Congresso Nacional. Esta PEC pretende transferir a competência de demarcação de Terras Indígenas da Fundação Nacional do Índio (Funai), para o Congresso Nacional. Esta foi a terceira semana no mês em que a Comissão Especial tentou votar, sem sucesso, o parecer. Saiba mais sobre a PEC 215 no quadro abaixo.

Durante o dia desta terça-feira (16), ocorreram manifestações em todo o Brasil. Em Brasília, onde lideranças indígenas estão acompanhando de perto as ações do Congresso, houve enfrentamento quando os indígenas foram impedidos de entrar na Câmara e os manifestantes foram atingidos com gás de pimenta. Em Barra do Garças, os manifestantes Xavante cantaram, dançaram, concederam entrevistas e exibiram cartazes, chamando atenção para esta questão ainda pouco conhecida pela população da região.

Uma das lideranças Xavante que concedeu entrevista explicando a mobilização foi Edmundo Dzuaiwi Omore, da Coordenação de Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB): “A nossa reivindicação aqui é pacífica, para que a população barra-garcense, junto com todo o estado de Mato Grosso, saiba o que está acontecendo, entenda o que é a questão indígena. Nós não queremos a aprovação deste projeto. Esta PEC prejudica os povos indígenas em todos os aspectos, não é só para o Xavante, mas no Brasil, onde o índio está de norte a sul, de leste a oeste” explicou Edmundo em entrevista a Ronaldo Couto durante a manifestação.

Crisanto Rudzö Tseremey’wa, membro da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) da Funai, estava nas manifestações em frente ao Congresso Nacional em Brasília na semana passada e lembrou aos seus companheiros a importância da escolha dos representantes no Legislativo. “Vi muitos Xavante votando em parlamentares que agora estão lá querendo aprovar essa PEC, enquanto deputados que nem conhecíamos estão do nosso lado nos defendendo” comentou Crisanto em reunião com lideranças.

Mirian Marcos Tsibodowapré, militante Terena do movimento de mulheres indígenas, ressaltou que esta é uma luta de todos os povos indígenas do Brasil. “Essa PEC é um genocídio para todos os povos indígenas brasileiros, não só para o Povo Xavante. É um retrocesso de toda a luta de nossos antepassados de demarcação de terras, da luta de lideranças como Mário Juruna. Fizemos essa manifestação pacífica, o protesto aconteceu e as pessoas de Barra do Garças entenderam e ficaram aguardando com respeito” disse Mirian.

Poucas horas após o fim do protesto em Barra do Garças, os manifestantes vibraram ao saber que a votação em Brasília tinha sido adiada. “Hoje teve a proibição da entrada dos índios que queriam acompanhar o trabalho do Congresso. Mas ficamos sabendo que a votação da PEC foi adiada, não sabemos até quando, temos que ficar atentos, acompanhando pra que isso não volte à pauta, estamos torcendo para que a PEC seja arquivada” relatou Mirian.

Entenda a PEC 215 e sua tramitação no Congresso
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 231 os direitos originários dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 de 2000 tem o objetivo de dar a competência exclusiva ao Congresso Nacional para a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas e a ratificação das demarcações já homologadas (veja a Proposta aqui). Atualmente, a demarcação destas terras é de competência da Funai e a nossa Constituição garante que estas terras sejam “inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”, ou seja, não estão passíveis de revisão.

Esta PEC é inconstitucional por dar uma função administrativa, ou seja de âmbito do Poder Executivo, para o Congresso Nacional, uma instância do Poder Legislativo, como explica o jurista Dalmo de Abreu Dallari neste artigo Parlamentares contra a Constituição.

Mas o quadro é ainda mais preocupante no cenário atual, no qual a maioria dos deputados federais fecham com a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), a chamada bancada ruralista. Nos últimos anos, esta bancada tem pressionado o governo federal no sentido de suspender as demarcações de Terras Indígenas no Brasil. Nos quatro anos de governo Dilma, foram demarcadas somente onze Terras Indígenas, o menor número de um governo federal nos últimos 30 anos. Uma vez conseguindo que esta obrigação constitucional passe para a Câmara dos Deputados, espera-se que além da suspensão de novas demarcações, haja ataque aos territórios tradicionais já demarcados.

A Comissão Especial de Demarcação de Terras Indígenas da Câmara dos Deputados tem tentado votar a todo custo o parecer do relator Osmar Serraglio (PMDB-PR) nas últimas três semanas. Na semana passada, por exemplo, os membros dessa Comissão se valeram de artimanhas ilegais como dar entrada na Comissão durante a Plenária para tentar votar o parecer sem a presença de todos os integrantes da Comissão. O próprio parecer do relator tem sido alvo de investigação, que aponta que um advogado ligado à Confederação Nacional da Agricultura (CNA) teria sido pago para influenciar diretamente na redação do relatório de Serraglio de acordo com os interesses desta entidade.

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