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01/12/2014 às 16h57min - Atualizada em 01/12/2014 às 16h57min

Plantador de florestas octogenário vira exemplo na região Xingu/Araguaia

Rafael Govari – ISA
arquivo pessoal de Amandio Micolino

A COLONIZAÇÃO

Amandio não usa de hipocrisia. Sustentou sua família, criou seus filhos e hoje tira renda do arrendamento de 300 hectares da fazenda São Roque. São 300 hectares que ele desmatou quando chegou em Canarana/MT na década de 1970, um dos primeiros a colonizar a região Xingu/Araguaia. Mas ele deixou 150 hectares de mato, mesmo a legislação da época permitindo desmatar mais. A fazenda tem 450 hectares.

Naquela época, o governo incentivou a ocupação da região por não índios e era preciso desmatar porque a única alternativa de renda vinha da agropecuária. “Só desmatei o que era preciso e só desmatei porque precisa desmatar para sustentar a família e pagar o financiamento do banco”, contou, para depois acrescentar: “Eu não sou contra desmatar para viver, mas sou contra desmatar sem precisão”.

Hoje a realidade é bem diferente. Depois de muita luta de várias organizações, existem várias alternativas para manter a floresta em pé e gerar renda.

Amandio Micolino foi colonizador da região Xingu/Araguaia, no Mato Grosso, e como todos teve que desmatar. Mas hoje, com 83 anos, é um parceiro do ISA e plantador de florestas. As iniciativas em sua fazenda são exemplo. Neste mês, participou do lançamento de um livro em Brasília que conta a história de agricultores que cultivam árvores do Cerrado.

 

O PREÇO

Amandio é natural do estado do Rio Grande do Sul e ele conta que quando tinha 10 anos, acompanhava seu pai também para derrubar mato onde eles fariam a roça na região próximo ao rio Uruguai. “Eu me lembro a gente não levava água junto. Quando tinha sede, cortava cipó e saia quase um litro de água”, contou. Por isso que o desbravador sustenta a seguinte afirmação: “A água não vive sem árvore e a árvore não vive sem água”.

O desmatamento e o uso de agrotóxicos em excesso têm cobrado o seu preço. O colonizador disse que a água dos rios diminuiu, assim como a quantidade de peixes. As árvores não dão mais frutas como no início da colonização da região. Além disso, efeitos tem aparecido na saúde da população local: “Trabalhei muitos anos passando veneno e hoje sinto os efeitos disso”, falou. Neste mês, Amandio iniciou um tratamento para desintoxicação do corpo.

O REFLORESTADOR

Por enquanto a agropecuária ainda domina a economia na região Xingu/Araguaia e as projeções para os próximos anos é de grande crescimento. Mas em contrapartida, ações ambientais na região têm sido pioneiras, como a Campanha Y Ikatu Xingu, que recuperou em 10 anos mais de 2,5 mil hectares de áreas degradadas, trabalho facilitado pelo desenvolvimento de uma técnica que também foi utilizada por seu Micolino.

Amandio não vai deixar apenas uma fazenda de herança. Com apoio financeiro e técnico do ISA (Instituto Socioambiental), começou em 2008 a recuperar áreas degradas em sua propriedade, não porque precisa, mas porque gosta: “Eu gosto de reflorestamento. Naquele tempo desmatei porque precisava e hoje planto árvores porque quero deixar um exemplo para meus filhos e netos”, disse, garantindo que só não faz mais por conta da idade.

Já foram reflorestados na Fazenda São Roque 7,5 hectares, sendo uma das primeiras a utilizar o plantio mecanizado. Após preparar a muvuca (mistura de sementes), o plantio é mecanizado utilizando o vincón, uma lançadeira de adubo acoplada ao trator. Depois a grade enterra as sementes. Além de ser cerca de um terço mais barato do que o plantio por mudas, esse sistema é mais eficiente e possibilita a recuperação de áreas maiores. São três áreas em processo de restauração com idades diferentes.

Durante esses anos de restauração e cuidados com as plantas, seu Amandio Micolino e os parceiros tiveram alguns desafios, como o cuidado com pragas (formigas) e a braquiária, que em algumas áreas reflorestadas cresce muito e acaba prejudicando o nascimento e crescimento das sementes de árvores. Mas a persistência deu frutos e hoje a área é um exemplo.

O EXEMPLO

Nesses seis anos de experimento, o trabalho do seu Micolino já serviu de laboratório para muitos técnicos, engenheiros agrônomos e estudantes que vieram pesquisar e desenvolver seus trabalhos. Também muitas expedições visitaram a área em reflorestamento, como assentados, grupos indígenas de várias etnias e vários estrangeiros. “Isso nos orgulha muito”, confessou seu Micolino.

Se muitos vieram para conhecer o trabalho de recuperação de floresta na fazenda São Roque, seu Amandio também já viajou muito para contar sua experiência. A última aconteceu no dia 13 de Novembro em Brasília/DF, quando o reflorestador esteve no evento de lançamento do livro “Agricultores que Cultivam Árvores no Cerrado”, uma parceria da Embrapa Cenargen, ISPN e WWF Brasil.

Amandio Micolino e o agricultor Luiz Cirqueira (Luizão), que também é da região, foram homenageados durante o evento, que contou com um debate sobre restauração do Cerrado. Eles falaram, deram entrevista e confraternizaram com o público presente. Amandio e Luizão contam no livro sobre as técnicas desenvolvidas em suas propriedades para restauração florestal.

No livro, Amandio deu o seguinte depoimento: “Eu sempre pensava em fazer alguma coisa, plantar alguma coisa, pro meio ambiente, que tanta riqueza me deu. Então eu fiz esse plantio, mas não foi com interesse de ganhar dinheiro. Fiz pra deixar alguma coisa para o futuro. Porque tudo o que tenho foi derrubando árvores, mas sempre dentro da lei…”. [Pág. 59].

O DEVER

Com a maturidade de um octogenário, seu Micolino questiona a necessidade de acumular riquezas a todo o custo: “Arrumar pra que tanto dinheiro se a gente não leva nada quando morre?”. Amandio chegou à região Xingu/Araguaia em busca de uma nova vida, teve de desmatar para sustentar a família, mas somente o necessário; e hoje planta florestas, com 83 anos, mostrando que a alegria na vida não vem só com o dinheiro, mas principalmente, com a consciência do dever cumprido.

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