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09/07/2014 às 07h29min - Atualizada em 09/07/2014 às 07h29min

Modelo agroflorestal de plantar sem desmatar completa 12 anos no coração do Brasil na região do Araguaia

Dandara Morais / ATV - Reportagem publicada AXA
Cláudia Alves / ATV agricultores do assentamento Manah

O site Araguaia Notícia publica aqui uma reportagem bacana sobre um modelo de conviver cm a natureza sem destruí-la. O uso de adubos orgânicos e com menos desmatamento. Conheça esse modelo de agricultura familiar de subsistência que acontece no coração do Brasil, no município de Canabrava do Norte, na região Norte Araguaia de Mato Grosso. A reportagem especial foi elaborada por Dandara Morais, recém-formada em Jornalismo pela UFMT de Barra do Garças, e publicada por ATV e AXA e que nos apresenta a comunidade denominada 'Casadão' entre homem e floresta. 

 

Por Dandara Morais

Entende-se por agricultura familiar o cultivo da terra, onde o trabalho é realizado fundamentalmente pelo núcleo familiar. Diferente da agricultura patronal ou monocultura cuja principal mão de obra é de trabalhadores contratados. Tal oposição é de natureza social – entre a agricultura que se apoia fundamentalmente na unidade entre gestão e trabalho de família e aquela em que se separam gestão e trabalho.

Uma é cultura de subsistência, onde todo o cultivo é essencialmente para o consumo da própria família, enquanto a monocultura é regida pelas leis do capital de quanto mais, melhor.
Apesar dos veículos da grande mídia e das políticas de governo estarem estritamente ligados ao latifúndio, tem se notado a emergência do agricultor familiar como personagem político na história brasileira. A literatura sobre a agricultura familiar aponta que, desde meados da década de 1990, vem ocorrendo um processo de reconhecimento e de criação de instituições de apoio a este modelo de agricultura. Vale lembrar que, este reconhecimento pela literatura e pelo governo, não significa que só neste momento surgiu no país a agricultura familiar.

Mas foi a partir dos anos 1990 que foram criadas políticas públicas específicas de estímulo aos agricultores familiares como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) em 1995; secretarias de governo orientadas exclusivamente para trabalhar com a categoria como a Secretaria da Agricultura Familiar criada em 2003 no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) criado em 1998. E promulgou-se em 2006 a Lei da Agricultura Familiar, reconhecendo oficialmente a agricultura familiar como profissão no mundo do trabalho e foram criadas novas organizações de representação sindical com vistas a disputar e consolidar a identidade política de agricultor familiar (como a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar – FETRAF).

E por último, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) criou um caderno especial sobre a Agricultura Familiar com os dados do Censo Agropecuário de 2006, que pela primeira vez, identificou quantos são, onde estão e o que produzem os agricultores e empreendedores familiares rurais no País.

Essa medida contribuiu para evidenciar a importância social e econômica desta categoria de agricultores no país. Com o Censo Agropecuário de 2006, verificou-se a força e a importância da agricultura familiar para a produção de alimentos no país. Segundo dados do IBGE, aproximadamente 84,4% dos estabelecimentos agropecuários do país são da agricultura familiar. Em termos absolutos, são 4,36 milhões de estabelecimentos agropecuários. Entretanto, a área ocupada pela agricultura familiar era de apenas 80,25 milhões de hectares, o que corresponde a 24,3% da área total ocupada por estabelecimentos rurais.
Isso revela uma concentração fundiária e uma distribuição desigual de terras no Brasil. Se realizarmos uma média do tamanho das propriedades familiares e não familiares, teríamos, respectivamente, 18,37 e 309,18 de hectares. Ou seja, é um abismo muito grande entre minifúndio e latifúndio.

Outro dado interessante é que, dos 80,25 milhões de hectares de área da agricultura familiar, 45,0% destinavam-se às pastagens; 28,0% eram compostos de matas, florestas ou sistemas agroflorestais; e 22% de lavouras.

Região do Araguaia ATV e CPT

A região conhecida como Baixo Araguaia no Mato Grosso, abrange uma área de 116.040,30 Km² e é composta por 15 municípios: Confresa, Luciara, Porto Alegre do Norte, Querência, Ribeirão Cascalheira, Santa Terezinha, São Félix do Araguaia, São José do Xingu, Alto Boa Vista, Canabrava do Norte, Novo Santo Antônio, Santa Cruz do Xingu, Serra Nova Dourada, Vila Rica e Bom Jesus do Araguaia. Com uma população de aproximadamente 125.127 habitantes, dos quais 51.355 vivem na área rural, o que corresponde a 41,04% do total. Possui 7.387 agricultores familiares, 16.271 famílias assentadas e 11 terras indígenas de acordo com dados do Sistema de Informação Territorial SIT.

Antigamente, a região era considerada imprópria para o cultivo de grandes lavouras. Devido à predominância de regiões alagadas e de cerrado, além das longas temporadas chuvosas, que duram cerca de 8 meses no ano. De certo modo, essas condições ambientais afastou as rotas desenvolvimentistas baseada na monocultura de commodities para outros eixos do território mato-grossense. Porém, a cerca de sete anos, o vale do Araguaia foi invadido pelo cultivo de grãos, transformando os pequenos sítios em lavouras de soja e milho.

Esta mudança de cenário, que levou à peleja pela sobrevivência na terra, estimulou a aproximação de duas entidades que lutavam em prol do agricultor familiar, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Associação Terra Viva de Agricultura Familiar e Educação Ambiental (ATV).

Comissão Pastoral da Terra

A CPT nasceu em junho de 1975, durante o Encontro de Pastoral da Amazônia, convocado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizado em Goiânia (GO). Inicialmente a CPT desenvolveu junto aos trabalhadores e trabalhadoras da terra um serviço pastoral.

Na definição de Ivo Poletto, primeiro secretário da entidade, “os verdadeiros pais e mães da CPT são os peões, os posseiros, os índios, os migrantes, as mulheres e homens que lutam pela sua liberdade e dignidade numa terra livre da dominação da propriedade capitalista”.
Com sede em Porto Alegre do Norte, o trabalho da CPT vem sendo realizado desde 1998 na região do Baixo Araguaia. Campanhas, oficinas, visitas a campo, acompanhamento e orientação aos camponeses são algumas das atividades realizada pela entidade.

Associação Terra Viva de Agricultura Alternativa e Educação Ambiental

A ATV, foi criada em 1988, no município de Ribeirão Cascalheira. Em 2002 muda a sede para Porto Alegre do Norte. A Associação tem por objetivo propor um caminho diferenciado de agricultura familiar, frente à monocultura e a agropecuária empresarial. Para tal, desenvolve alternativas adaptadas à realidade local: adubação verde e orgânica, tração animal, recuperação e disseminação das sementes crioulas, criação de pequenos animais, recuperação de áreas de preservação permanente, dentre outras atividades que envolvem o meio ambiente e as pessoas que nele habitam.

A parceria entre as entidades CPT e ATV teve início em 2002, quando buscaram fortalecer as atividades uma da outra, trabalhando junto com os camponeses, principalmente do Projeto de Assentamento (P. A.) Manah, em Canabrava do Norte, do Projeto de Assentamento Fartura, no município de Confresa e no Projeto de Assentamento Dom Pedro, município de São Félix do Araguaia.

Ambas as entidades, sem fins lucrativos, buscam projetos para que possam dar assistência e desenvolver as atividades de educação ambiental e orientação junto aos camponeses da região.

Valdo da Silva, presidente da ATV e agricultor, coloca que o trabalho das duas entidades vão em direção contrária o sistema imposto pelo capitalismo “ Não é um sistema de arranjo ou a busca por resultados econômicos, nós buscamos um novo jeito de viver, é tirar o sustento da terra e conviver com ela e com todos os seres vivos de modo harmônico”.

A CPT, como pastoral, discute as questões de gênero e de direitos humanos, trazendo temas como trabalho escravo e exploração infantil. Já a ATV é uma entidade de militantes que discutem educação ambiental e colocam em prática os conceitos assimilados. Juntamente com os agricultores, agricultoras e entidades fortalecem a luta onde cobram que o governo cumpra com suas responsabilidades.

Casadão e outras frentes

O início do trabalho da ATV e da CPT juntas se deu com o incentivo a um novo modelo de produção, o Sistema Agroflorestal (SAF), como é conhecido. Trata-se de um plantio consorciado (ou seja que mistura espécies), estratificado (com várias camadas) e com um componente arbóreo. Ou seja, ele é diversificado horizontalmente e verticalmente e conta não só com uma diversidade de espécies como uma diversidade de tipos de plantas, como cultivos anuais, perenes, árvores, arbustos, ervas e até cipós. No SAF, valorizam-se os processos naturais e ecológicos, conduzindo o sistema de produção como num processo de regeneração natural, mas acelerado e potencializado pelo manejo humano, inclusive na sua produtividade.

No começo do trabalho, a CPT e a ATV organizavam várias reuniões para chamar o pessoal e explicar a proposta. Em uma dessas reuniões surgiu o nome Casadão. Valdo da Silva conta que “foi um senhor de Nova Floresta que falou, a gente reunido discutindo o sistema de plantio, aí um dos trabalhadores, que até parecia desatendo, falou ‘então, é um Casadão’, aí ficou”.

Segundo João Botelho do P.A Manah o Casadão é uma festa “Eu acho que é porque esse Casadão a gente tem umas árvores mais velhas, outras mais novas, e assim é esse Casadão. É igual festa, festa é uma mistura de gente, não é verdade. Ali tem velho, tem novo, tem jovem, tem menino, tem preto, tem branco, tem feio, tem bonito, tem uns encrenqueiros, tem uns que não gosta de encrenca. Então, naquela festa tem esse conjunto de gente. Então, o Casadão é como se fosse uma festa, tem árvore de todo lado, de todo tipo. E tem árvore que nem sei de onde é que ela veio, tá plantada aí. É igual na festa”.

João conta um pouco como foi aquele início de trabalho, as dificuldades e a persistência dos que levaram o Casadão a sério. “No começo ficou meio bagunçado, em tudo, não sabia se tava certo ou se não tava. Até porque naquela época, os nossos lotes ainda eram mata. E aí, quando o pessoal chegou incentivando a gente a plantar, fizeram até um viveiro no assentamento, muitos ficaram em dúvida. O INCRA incentiva derrubar, agora esse pessoal chega querendo que a gente plante. Então, era uma coisa que assim, naquela época, até o INCRA, se a gente não derrubasse, eles ameaçavam até tomar o lote da gente. Mas aí a gente acreditou e fez, hoje estamos colhendo os frutos” relembra João.Outra frente levantada pela ATV e CPT foi a organização das mulheres, auxiliando e acompanhando para que elas conseguissem se mobilizar e se tornarem independentes. Hoje, quase 12 anos após o início das atividades, as famílias que se empenharam e acreditaram no novo modelo proposto, estão desfrutando e usufruindo do trabalho dedicado à terra. Vivem hoje da produção de hortas, da venda de polpas e sementes e da fabricação de artesanato, de farinha e de doces.

CAUSOS E HISTÓRIAS DESSA CAMINHADA 

João Botelho Moura, Canabrava do Norte

João Botelho Moura, agricultor, com seus 73 anos, mora no Projeto de Assentamento Manah (Canabrava do Norte – MT) com a esposa e os filhos, vive hoje da aposentadoria e dos frutos que vem colhendo após o início do plantio em Sistema Agroflorestal em 2002, com incentivo da ATV e CPT.

O depoimento de João quanto ao Casadão e suas perspectivas evidencia que muito mais que gerar renda, o objetivo do trabalho é mudar o estilo de vida, onde homem e natureza convivam em harmonia, ele reflete: “Olha, fazer o Casadão não é fácil, não, é meio difícil, mas depende da pessoa querer fazer, ter interesse. Se não tiver interesse, na hora que for fazer, não dá certo… e coragem, porque se o companheiro não tiver coragem, não faz. Primeiro, foi aqui o quintal, um pouquinho aqui, do meio pra lá. Aí, saiu um recurso daqueles projetos, que fala o PPP [Programa Pequenos Projetos Ecossociais]. Isso aqui era pasto, a fazenda aqui tudo era pasto. Aí, nós foi plantando. No primeiro ano, nós plantou arroz, milho, abóbora, melancia, fizemos uma pequena salada. Daí, fomos plantando as mudas, pegando as mudas lá do Valdo, da Terra Viva, da CPT. Eles iam doando as mudas pra nós, e nós vai plantando. E aí, eu resolvi “vou aumentar”, aí tornei a arrancar a cerca, pus para lá. Tornei a arrancar, e botei mais adiante. Aí, eu disse: “daqui eu não vou mais arrancar essa cerca”. Aí, eu fui plantando mais e fui achando bonito aquela pequena floresta, assim, baixinha. E aí disse assim: “sabe, vou tornar a arrancar essa cerca”. E tornei a arrancar essa cerca. E eu arranquei essa cerca aqui umas quatro vezes, para aumentar o Casadão. E até hoje eu tô plantando. E a gente não para de plantar, não. Porque plantar é assim, igual uma vez, eu plantei parece que 28 mudas de araçá-boi. A primeira muda que eu plantei foi essa bem aí. Aí, produziu, e nós foi fazendo mudas. Sei que eu tinha plantado 28, e só tem um pé. E eu molhei o verão todinho, molhando, molhando. Mas não sei o que aconteceu, e foi morrendo e foi morrendo, e só restou um pé. Aí, que está o negócio. Se o sujeito esmorecer, não gostar, não tiver coragem, ele larga. Ele larga porque pensa: ‘eu plantei vinte e tantas mudas e tenho um pé sozinho, eu não vou plantar mais não’. A maioria faz assim, esmorece e larga de mão, ‘eu não vou mais plantar’. E eu não, se morre 28, no outro ano, eu planto 30, pelo menos mais duas pra ter o contrapeso. E é assim, quase todas elas é esse sacrifício, para molhar com o regador, no fim morre mesmo, não tem como. Mas eu não esmoreço, não. É como eu falo para os meus meninos, ‘eu não deito a carga, não’, eu sou teimoso.”

Raimunda Barros dos Santos, São Felix do Araguaia

Raimunda Barros dos Santos, 52 anos, começou a trabalhar com o sistema Casadão em 2001. Mora no P. A. Dom Pedro, e recebe assistência da Associação de Educação e Assistência Social Nossa Senhora da Assunção – ANSA, de São Félix do Araguaia. Dona Raimunda diz orgulhosa que consegue se manter com a renda da venda de polpas de frutas para a Fábrica de Polpas Araguaia em São Felix do Araguaia e participando da Rede de Sementes do Xingu como coletora de sementes florestais. “Hoje o meu Casadão é minha fonte de renda, consigo o que preciso com a venda dos frutos, a coleta de semente, e no meu quintal tem tudo que preciso para meu sustento” conta Raimunda. Ela diz que, com o Casadão, aprendeu a plantar vários tipos de plantas tudo junto e a preservar o meio ambiente “É daqui que tiro o meu sustento, tem que cuidar”.

Dona Raimunda é filha de agricultores, viveu e se criou na roça. Hoje diz que os filhos, apesar de estarem na cidade, valorizam o trabalho dela e sempre que podem aparecem no sítio da família “Nasci e tô na roça até hoje é tradição nossa morar aqui”.

Anastácio Francisco Alves, Confresa

Anastácio Francisco Alves, com seus 79 anos, vive no P. A. Fartura, município de Confresa – MT. Apesar da idade, encara o Casadão como pura alegria “Ah isso aqui é uma festa, a gente viaja para os encontros, conhece sempre gente nova e, volta e meia os companheiros estão aqui para ajudar o véio no mutirão”.

Nos seus 2 hectares e meio de Casadão tem diversas mudas plantadas, algumas já estão produzindo e outras como ele diz “são bebês” ainda. Conseguiu cercar a Área de Preservação Permanente e já apontam algumas árvores com flores no meio da reserva. Em alguns lugares ainda há dificuldade de organização do projeto, mas seu Anastácio comenta ”O pessoal da Terra Viva e CPT, o Valdo, a Cláudia, não desiste de nóis não, sempre estão em cima, estes dias, trouxeram um caminhão com muda e gente para me ajudar a plantar”. Mostra o quintal e vai falando o que tem plantado “Baru, Cajuzinho, Macaúba, Ipê, Vinhático, Teca, tem de tudo, do cerrado e da mata, tem abacaxi e melancia, esse é o Casadão.”

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