A Justiça do Trabalho determinou que a empresa Líder Construções Elétricas, prestadora de serviços de manutenção para a concessionária de energia de Mato Grosso, cumpra, imediatamente, uma série de 45 melhorias para garantir maior segurança aos seus empregados. A determinação se baseia em fiscalizações e inquéritos que investigaram a morte de quatro empregados em acidentes de trabalho ocorridos em um período de cinco anos.
Em todos os acidentes ficou comprovado o descumprimento sistemático das normas relacionadas ao meio ambiente de trabalho nas diversas cidades do interior do estado em que eles ocorreram.
Fiscalizações realizadas por auditores da Superintendência Regional do Trabalho no período em que as mortes aconteceram resultaram em 59 autos de infração à empresa. Dentre as irregularidades detectadas estavam a ausência de equipamentos de segurança e a falta de treinamentos e capacitações e outros procedimentos exigidos nas normas e legislação para atividades no setor elétrico.
Vítimas fatais
A vítima mais recente foi um ajudante geral que morreu eletrocutado no município de Cotriguaçu durante o trabalho de poda de árvores. Ele realizava o serviço próximo à rede elétrica com a utilização de foice. Juntamente com ele, outro colega correu risco de morrer após ser alvo de choque e cair da árvore, de uma altura de 1,5m. Na ocasião, foram lavrados 38 autos de infração por descumprimento de normas de segurança.
Menos de um ano antes dessa morte, outro empregado foi vítima de uma descarga elétrica fatal quando fazia a manutenção em rede de alta tensão.
Dois anos antes, outro trabalhador foi morto também por descarga de energia elétrica, quando fazia a troca de isoladores de linha. Nessa ocasião, a fiscalização que se seguiu resultou na emissão de 20 autos de infração.
No ano anterior havia sido registrada a primeira morte dessa sequência de quatro vítimas fatais: foi durante a execução de reparos na rede elétrica ao longo da rodovia BR-163. O empregado caiu de uma altura de oito metros, sobre uma cerca de arame, após tomar choque. Socorrido pelos colegas, foi levado ao hospital local e depois para uma UTI em Cuiabá, mas não resistiu.
Na ocasião, a empresa foi multada pela Superintendência Regional do Trabalho pelo descumprimento de regras de segurança. O acidente ocorreu porque três equipes trabalhavam simultaneamente e uma delas abriu a chave errada e o equipamento em manutenção permaneceu energizado. As investigações apontaram diversas outras irregularidades como falta de aterramento elétrico, falha na coordenação entre equipes, falha na antecipação do perigo por falta de Análise Preliminar de Risco (APR), falta de planejamento das equipes, insuficiência de supervisão e indisponibilidade de materiais, já que não havia detector de tensão na viatura de uma das equipes e o da outra estava sem bateria.
Afastamentos por acidentes
Além das vítimas fatais, o sistema eletrônico de registros de acidentes no país revelou o lançamento de 314 comunicações de acidentes de trabalho na empresa entre os anos de 2011 e 2017. No mesmo sentido, o banco de dados de benefícios do INSS revela que, entre os anos de 2011 a 2016, foram concedidos 91 benefícios auxílio-doença por acidente de trabalho. Já na Justiça do Trabalho em Mato Grosso tramitam 80 processos judiciais tendo a empresa como parte por acidentes e violação às normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, hoje incorporado ao Ministério da Economia.
Entre esses casos está o ocorrido em março de 2018, quando um eletricista foi deixado sozinho para finalizar um serviço sem nenhum equipamento de comunicação. Sem ter como saber se as tarefas junto à rede de energia haviam sido concluídas, o circuito foi energizado sem essa confirmação, causando o acidente com o trabalhador.
Documentos apresentados no processo judicial demonstram que a própria Energisa, contratante dos serviços, notificou a empresa em diversas ocasiões pelo descumprimento das normas durante os trabalhos realizados em cidades como Guarantã do Norte, Sorriso, Sinop e Marcelândia. Nessas notificações, a concessionária cobrava as correções e, algumas vezes, o contato era para reiterar as exigências e cobrar a regularização das falhas não sanadas, dentre elas a falta de capacitação e treinamentos de como prevenir acidentes em trabalho em altura, conforme exige a Norma Regulamentadora (NR) 35, além de diversas outras irregularidades.
As notificações confirmaram ainda que, nos desligamentos programados para manutenção, os empregados trabalhavam, muitas vezes, sem a Análise Preliminar de Risco (APR) e sem um supervisor. Outras ocorrências eram a falta ferramentas, como a escada extensível, e situações em que eletricistas não utilizavam a linha de vida e trava-quedas.
O caso foi levado à Justiça do Trabalho em março de 2018 por meio de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Nela, o órgão pedia a condenação da empresa pelo conjunto de irregularidades cometidas de forma reiterada, em especial pela violação das NR 10 (segurança e serviços de eletricidade) e NR 35 (segurança e saúde no trabalho em altura).
O MPT apontou ainda o descumprimento de outras condutas básicas para assegurar um meio ambiente de trabalho saudável e seguro, como o funcionamento de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) e implementação dos programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) e de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA).
Cumprimento imediato
A gravidade da situação levou o juiz Adriano da Silva, titular da Vara de Juína, a conceder uma tutela de urgência para determinar que a empresa cumpra imediatamente 45 obrigações relacionadas aos pontos sistematicamente descumpridos, sob pena de multa diária de 2 mil reais para cada item.
A decisão levou em conta que a Líder Construções Elétricas permaneceu descumprindo as normas e os acidentes continuaram acontecendo mesmo após receber vários autos de infração do Ministério do Trabalho e estar respondendo a inquérito civil na Procuradoria do Trabalho.
Conforme destacou o magistrado, os acidentes continuaram a ocorrer inclusive após o ajuizamento da ação judicial, “como se sua gente, seus trabalhadores, fossem máquinas que quando quebram são descartadas, contribuindo para o aumento do déficit previdenciário, em virtude da quantidade de auxílios-doença previdenciários decorrentes dos acidentes típicos com energia elétrica (...).”
Dano Coletivo
Por fim, o juiz reconheceu a culpa da empresa diante das provas de que ela agiu com imprudência e omissão pelo descumprimento reiterado das normas reguladoras 10 e 35, desrespeitando direitos básicos previsto na Constituição Federal, bem como em convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Consolidação das Leis do Trabalho e na Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92).
O magistrado destacou o fato de a empresa, mesmo alvo de tantos autos de infração, persistir na mesma conduta, gerando consequências diretas para a própria sociedade local e nacional, como a concessão de mais auxílios-doença.
Em sua decisão, o juiz apontou que mesmo após ter instituído, recentemente, programas como PCMSO e PPRA, a empresa não demonstrava preocupação real com a saúde e integridade de seus empregados, pois os desenvolvia “como mera burocracia atinente à medicina e segurança do trabalho”. Nesse aspecto, ela se preocupava muito mais com o aumento do seu lucro a cada ano do que com a viva de seus colaboradores, “responsáveis pelo sucesso e enriquecimento de todo o grupo organizacional”.
Além disso, Adriano Romero apontou que essa postura gera outras repercussões negativas na sociedade, ao se reforçar o estereótipo de que as empresas podem “‘coisificar’ o ser humano, jogando-o no ‘lixo’ quando não servir para mais nada.”
O magistrado assinalou o fato de a empresa ter se comprometido, no contrato de prestação de serviço assinado com a concessionária de energia e por meio do qual receberia mais de 19 milhões de reais em valores de 2017, a obedecer aos regulamentos, normas e leis inerentes aos serviços prestados. No entanto, “optou por descumprir as normas e não destinar parte desse expressivo montante para, dentre outros, fornecer EPIs e EPCs para serem funcionários (...)”.
Ressaltou ainda o pressuposto de que todo o ordenamento jurídico foi estruturado para proteger o ser humano, sendo inadmissível permitir a postura da empresa de forma a “autorizar que trabalhadores continuem morrendo por causa de choques elétricos ou tendo partes do corpo queimados, sejam submetidos a trabalho nas alturas sem treinamento, dentre outros (...)”.
Por fim, fixou o valor da indenização por dano moral coletivo em 200 mil reais, levando em consideração o número de pessoas atingidas, a conduta sistemática da empresa, bem como seu porte e prestígio regional, além do princípio da razoabilidade e proporcionalidade (ante a necessária observância da manutenção dos empregos e da empresa).
Lista de Obrigações
A lista de obrigações que a empresa terá de cumprir imediatamente inclui pontos relacionados com a segurança dos trabalhos, como o fornecimento de EPIs e a desenergização elétrica durante os procedimentos como medida de proteção coletiva prioritária.
A decisão estabelece também a necessidade de mudanças nos procedimentos, a exemplo da vedação para serviços em instalações elétricas sem que haja ordem de serviço específica aprovada, bem como a qualificação dos empregados, com destaque para a realização de programa para capacitação e treinamento sobre os riscos e as principais medidas de prevenção de acidentes em instalações elétricas.
A empresa está obrigada, ainda, a adotar medidas preventivas e corretivas na ocorrência de acidentes de trabalho bem como providenciar que os trabalhadores autorizados estejam aptos a executar o resgate e prestar primeiros socorros a acidentados