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28/05/2019 às 07h49min - Atualizada em 28/05/2019 às 07h49min

Há 67 anos, o Araguaia era foco de uma das maiores operações de resgate da aviação

O desaparecimento do Boeing 377 Stratocruiser da Pan Am foi um dos grandes mistérios da época dourada da aviação

AMZ Notícias
ARAGUAIA NOTÍCIA


Quando a Madre Superiora Marie Louise Pardieu embarcou no Vôo 202 da Pan American, no Rio de Janeiro, na tarde da segunda-feira 28 de abril de 1952, não sabia que jamais chegaria ao seu destino final. Talvez, durante o vôo, ela tivesse feito uma prece silenciosa e passado as contas do terço entre seus dedos enquanto embarcava. O fato é que, numa noite calma, ela e seus companheiros decolaram para a sua última jornada.

Nem ela nem nenhum outro entre todos os ocupantes do Boeing 377 da Pan American World Airways, chegaram ao destino, pois perderiam a vida no meio da selva amazônica, nas proximidades da divisa do Mato Grosso com o Pará, exatamente entre os municípios de Santa Terezinha (Hoje parte da area pertence a Vila Rica) e Santana do Araguaia. 

O desaparecimento do Boeing 377 Stratocruiser da Pan Am foi um dos grandes mistérios da época dourada da aviação. O vôo PA202 era um dos serviços que uniam o Brasil aos Estados Unidos pelas asas da Pan American. Naquele dia, escalado para o serviço estava um dos espaçoso Boeing 377 Stratocruiser da frota da empresa.

Silêncio no céu - O Stratocruiser era um luxuoso avião comercial derivado do bombardeiro B-29 Superfortress. Tinha dois conveses, beliches, um bar, e estava equipado com quatro motores radiais Pratt & Whitney R-4360 Wasp. Este serviço era chamado pela Pan American de "O Presidente Especial", e havia iniciado a sua jornada em Buenos Aires. Depois de uma escala em Montevidéu, seguiu até o Rio de Janeiro, onde pousou sem problemas e então, deu-se uma troca de tripulação, procedimento de rotina. O próximo trecho do vôo cujo destino final era o Aeroporto de Idlewild em Nova York, seria um vôo de 1.930 km sobre a Amazônia até Port Of Spain, em Trinidad.

Após terem embarcado todos os passageiros, o Clipper Good Hope, nome de batismo do Stratocruiser, decolou da pista 32 do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro às 22h43 (02:43 GMT) e subiu lentamente na direção noroeste. Naquela noite, o Comandante Albert Grossarth de 37 anos, era o piloto no comando do PA 202, e contava com 8.452 horas de vôo, das quais 735 no Boeing 377.

Com uma tripulação de nove pessoas, o Clipper Good Hope transportava 41 passageiros. Em seus tanques, na hora da partida do Rio de Janeiro, transportava 28.000 litros de combustível. Voando sob condições visuais (VFR), o Clipper Good Hope fez uma checagem de rotina em Barreiras, quando já era aproximadamente 01h15 (hora local) do dia 29, voando a uma altitude de 4.400 m (14.500 pés). O seguinte ponto de checagem seria a cidade de Carolina, onde pelas ondas do rádio, os controladores de terra ouviram somente o agourento ruído da estática. O avião não emitiu nenum sinal, apenas o silêncio.

Busca dramática - Sem ter reportado sua posição nem ter chegado a Port Of Spain, sua próxima escala, foi declarada emergência. As buscas para tentar localizar o avião perdido começaram tão logo o dia raiou. Um total de 21 aviões brasileiros e norte-americanos varreu uma área de selva de aproximadamente 828.500 km2, com inúmeros rios e pântanos. O padrão de busca percorria a rota que deveria ter sido seguida pela aeronave desaparecida. Na tarde do segundo dia, os aviões envolvidos na busca chegavam a 40.

No final da manhã do terceiro dia, 1º de maio, o Comandante James Kowing, que voava num cargueiro Curtiss C-46 da Pan Am viu, por acaso, uma aérea queimada em meio ao verde da selva. Inclinando seu avião, ele desceu para ver melhor e encontrou o que não queria: em um diâmetro de 25m aberto no ventre da selva, jaziam os restos do Stratocruiser: cockpit, parte da cabine e uma asa do Clipper Good Hope denunciavam a tragédia. Em outra clareira próxima, Kowing constatou a presença de um motor e a da outra asa. Kowing imediatamente entrou em contato pelo rádio com Belém, PA, onde se localizava a base mais próxima da Pan Am e continuou a circular sobre o local procurando em vão por sinais de vida. Aparentemente, o Stratocruiser se desintegrara em vôo e caíra na selva, quase na vertical.

O Resgate - Ao saber da localização do avião comercial, uma unidade de busca e salvamento da Força Aérea dos Estados Unidos foi enviada do Campo Ramay, em Porto Rico. Liderada pelos majores Richard Olney e Oliver Seaman, este um cirurgião da Força Aérea, essa unidade de nove homens altamente qualificados foi preparada para ser lançada de pára-quedas no local da queda e prestar ajuda aos possíveis sobreviventes. Após circular o local a baixa altitude (60m) durante algumas horas, eles não perceberam nenhum sinal de vida e voltaram à sua base.

Oficiais do Brasil e dos Estados Unidos decidiram abrir uma trilha de 56 km na selva para chegar ao local da queda. A expedição seria liderada pelo norte-americano Humphrey W. Toomey, gerente da divisão latino-americana da Pan Am e pelo major brasileiro José Carlos de Miranda Corrêa, um veterano da Segunda Guerra Mundial.

O plano previa voar com aviões de transporte de Belém até Araguacema, localizada à beira do rio Araguaia. De lá, os suprimentos e o pessoal seriam carregados a bordo de um anfíbio Consolidated PBY Catalina pertencente à Panair do Brasil, subsidiária da Pan Am. O Catalina iria voar até Lago Grande, também localizada sobre o Rio Araguaia. Lá eles estabeleceriam uma base para fazer uma clareira de 60 m de diâmetro que possibilitasse o pouso de um helicóptero Sikorsky. Entretanto, antes de que isso pudesse ser feito, a primitiva pista de Araguacema devia ser melhorada a fim de permitir o pouso dos grandes aviões de transporte necessários para levar homens e material.

O fazendeiro Antonio Solino havia utilizado a pista de Aragucema para fazer transporte de carne. Ele era apontado como sendo a pessoa que melhor conhecia essa área da selva. Além disso, ele era amigo dos índios Carajás e sabia falar a língua nativa. Ele foi recrutado para guiar a expedição até o local do desastre, e a sua experiência resultou de grande valia nas semanas seguintes.

A USAF forneceu um Fairchild C-82 Packet e um Douglas C-47 da Base Aérea McDill, em Tampa, na Florida (EUA). Ambos os aviões voaram diretamente até Belém; o Packet chegou transportando um mecânico de C-82, oito kits de sobrevivência na selva e um médico com suprimentos.

Praticamente ao mesmo tempo, os jornais brasileiros, famintos por notícias do desastre, começaram a publicar todo tipo de boatos e especulações, como o de que um dos passageiros do vôo 202 estaria transportando uma fortuna em diamantes brutos; outro informou que o avião estaria carregando barras de ouro, enquanto um terceiro afirmava que o Stratocruiser estava transportando uma carga de urânio que explodiu.

A expedição de busca - A maioria dos passageiros do Clipper Good Hope era brasileira, e logo os parentes das vítimas começaram a acusar os oficiais de estarem demorando demais em organizar a expedição até o local do desastre. A imprensa sugeria também que talvez houvesse sobreviventes esperando para serem resgatados. "Onde estão os bravos brasileiros que deveriam ter saltado de pára-quedas na selva para resgatar aqueles pobres passageiros?" perguntava um editorial. O clamor por ação foi incentivado pelo ladino e ambicioso político Adhemar de Barros, que estava em campanha para a presidência do país. Ele afirmou que poderia "mitigar a insuportável angústia" dos parentes financiando sua própria expedição.

Entretanto, os planos para a expedição oficial continuavam. Em Belém, Charles Manly e Ralph Dobbins da Pan Am, e John Cogswell da Pratt & Whitney, embarcaram no C-82 da USAF para a viagem de três horas e meia até a pista de Araguacema.

Eles sobrevoaram duas vezes a pista de terra e grama e pousaram. Não foi fácil. Havia árvores altas em ambas as extremidades e ainda por cima, a pista era mesmo muito curta. Os passageiros desceram e o avião voltou para Belém a fim de trazer os suprimentos necessários.

Na viagem de volta de Belém, o C-82 Packet chegou a Araguacema transportando um helicóptero S-51 da USAF desmontado, enquanto o C-47 pousava com o guindaste que foi utilizado para remontar o helicóptero. Durante o processo de descarga e remontagem do helicóptero, o eixo do rotor da cauda foi torcido. Um conserto foi tentado no local, mas o resultado não foi muito bom. Este fato traria sérias conseqüências para a expedição.

Destroços do avião - Como os destroços haviam sido localizados numa área inexplorada, que se sabia era habitada por uma tribo hostil, os integrantes da expedição foram aconselhados a tomar todo tipo de precauções e irem armados com pesadas e desconfortáveis pistolas Colt 45.

Na medida em que os integrantes da expedição aprofundavam-se na selva, foram percebendo a ausência da luz do Sol, provocada pelas altas e fechadas árvores. Quando o grupo chegou a um córrego e foi encher seus cantis percebeu que eles já estavam quase vazios.

A falta de água tornou-se crítica e os homens pediram que fossem lançados mais cantis pelo helicóptero, na medida em que se adentravam na selva. Além disso, sacos de lona, com observações indicando o rumo correto, também poderiam ser lançados pela aeronave de resgate, para auxiliar na jornada. A maior parte desses suprimentos nunca chegou até a expedição, pois ficou presa nos galhos mais altos das árvores. 

Um método alternativo foi tentado para descer os suprimentos do helicóptero: cordas de 30m foram içadas do helicóptero em vôo pairado. Mais uma vez o topo das árvores impediu que os suprimentos chegassem ao solo. Enquanto isso, o Catalina também estava sendo preparado para lançar suprimentos.

Quando o pessoal da expedição ouvisse os motores do avião deveria fazer sinais luminosos e o avião lançaria a carga no local. Quando os aventureiros estavam chegando ao final da sua jornada, ficaram sabendo que outro grupo havia sido lançado de pára-quedas e estabelecido um acampamento a 6 km do local da queda do Stratocruiser.

Esse novo grupo se denominava "Caravana da Solidariedade", e haviam sido recrutados e financiados por Adhemar de Barros o qual, anteriormente já havia criticado o lento progresso das investigações oficiais. Sabendo dessa informação, o grupo oficial tentou localizar os recém chegados e estabelecer um certo relacionamento de trabalho, apesar de estarem preocupados com a falta de experiência e o amadorismo dos integrantes da "Caravana", que poderia estragar valiosas evidências referentes à causa da tragédia. Além do mais, os mortos deviam ser enterrados e os objetos pessoais dos passageiros e o correio recuperados.

Trágica corrida - Ralph Dobbins lembra que a "Caravana da Solidariedade" parecia "um grupo de grosseiros e intratáveis atores". Apesar do medo de que alguns deles já tivessem chegado ao local da queda, eles ficaram surpresos ao ver que a maioria deles ainda se encontrava no local onde pousara.

A verdade era que aqueles homens estavam apavorados lá na selva, especialmente à noite, quando a cacofonia de sons crescia a níveis ensurdecedores e a imaginação corria solta. Eles haviam estabelecido pontos de observação nas árvores para se prevenir de ataques de "índios canibais" e, ao cair da noite, eles reagiam a qualquer barulho nos arbustos jogando cartuchos de dinamite ou granadas de mão e disparando rajadas de metralhadora. Tudo  isso criou uma grande tensão no grupo oficial.

Os destroços do Boeing 377 - Depois de várias discussões foi então iniciada a caminhada dos seis últimos quilômetros. A falta de água e suprimentos somadas com as dificuldades para abrir o caminho cobraram suas vítimas e, quando chegaram ao local do desastre, das 27 pessoas que faziam parte do grupo oficial, apenas restavam sete. A maioria havia sucumbido às doenças e ferimentos.

A confirmação de que a parte principal da aeronave havia descido quase verticalmente em atitude horizontal foi confirmada quando eles encontraram uma árvore de 10cm de diâmetro que havia perfurado a carenagem de um dos motores. O fogo que sucedeu a queda foi tão intenso que a maior parte dos componentes de alumínio derreteu, tornando impossível um exame detalhado. Os restos do Boeing 377 estavam espalhados numa área irregular com 1.200 m de largura, embora o local principal fosse um buraco queimado de 30m de diâmetro entre as árvores.

Fim das Buscas - O importante trabalho de investigação do acidente teve de ser interrompido para enterrar os mortos. Após reassumir os trabalhos, os homens foram informados de que o helicóptero que deveria lhes trazer alimentos e água estava com graves problemas de vibração provocados pelo incidente durante a montagem, ficando decidido que a aeronave seria utilizada apenas para lançamentos de emergência e evacuação do pessoal. O helicóptero era uma espécie de cordão umbilical e, sem ele, os homens poderiam não ter sobrevivido.

Os pilotos da USAF, capitães John Miller e John Peacock, arriscaram continuamente suas vidas e voaram mais de 3.200 km para abastecer a expedição. Se o helicóptero tivesse caído durante uma das muitas viagens e alguns dos ocupantes houvesse sobrevivido à queda, teria sido impossível resgatá-lo. Inicialmente, os integrantes da expedição haviam planejado passar até duas semanas no local, mas devido à contínua falta de água e à deterioração da saúde dos homens, ficou decidido que todos eles seriam evacuados e levados à civilização depois de apenas dois dias. Surpreendentemente, muita coisa foi realizada em tão pouco tempo. Desenhos e diagramas com a distribuição dos restos foram feitos, e muitas fotografias foram tiradas.

A medida que o tempo passava, a tensão crescia entre o grupo oficial e os pára-quedistas, pois estes últimos haviam sido levados a acreditar que havia uma fortuna a bordo do avião acidentado, e que ela seria o pagamento pela sua participação na aventura. Numa ocasião, quando o helicóptero jogou dois cantis de água, um deles quebrou, e o outro foi pego pelos pára-quedistas, que se recusaram a dividir seu conteúdo com os outros.

Quando Adhemar de Barros mandou o grupo para a selva, não fez quaisquer planos para abastecê-los com alimentos ou água. Os pára-quedistas deveriam confiar no grupo oficial para satisfazer as suas necessidades e nada foi previsto para retirá-los de lá. O único meio de transporte que o grupo oficial possuía para deixar a selva era o helicóptero. Como muitos deles estavam debilitados e se tivessem de voltar a pé, alguns não conseguiriam chegar.

Parte dos destroços do avião - Como as condições do helicóptero pioravam visivelmente, planos foram feitos para evacuar o grupo o mais depressa possível. Normalmente, o Sikorsky voava com os dois pilotos como medida de segurança, entretanto, a fim de aumentar a capacidade de passageiros, o helicóptero voou apenas com um tripulante, deixando o assento do co-piloto para um evacuado.

Os pára-quedistas logo perceberam que seriam deixados para trás, sem possibilidades de escapar. Eles se reuniram em pequenos grupos e, apontando ameaçadoramente suas armas, forçaram seu lugar no helicóptero. Lino de Matos, o líder dos pára-quedistas apontou sua arma para o major Miranda Corrêa, um dos líderes do grupo oficial e gritou: "Nenhum outro americano vai sair daqui até que todos os meus homens sejam evacuados!"

Após uma acalorada discussão chegou-se a um acordo: todos os membros da expedição poderiam ir embora, exceto dois que deveriam ficar como reféns dos pára-quedistas (o major Corrêa se ofereceu para ser um deles, o outro seria Scott Magness, um norte-americano especialista em comunicações). Eles também exigiram que o helicóptero voltasse com uma serra motorizada, para abrir uma pista na selva para que pudesse pousar um pequeno avião.

Quando as primeiras informações sobre estes impressionantes acontecimentos chegaram ao mundo exterior, os jornais começaram a publicar suas histórias. A manchete do New York Times de 19 de maio de 1952 dizia: "Brasileiros retém ajuda norte-americana na selva, exigem transporte aéreo na cena do desastre". Logo todos os canais diplomáticos estavam trabalhando.

O embaixador dos Estados Unidos, Herschel Johnson, interveio, e da Força Aérea Brasileira veio a mensagem; "Destacamento de pára-quedistas armados decolando do Rio De Janeiro. Ordenada a libertação imediata do Sr. Scott Magness." Nesse meio tempo, Corrêa e Magness enviaram uma mensagem informando que eles não estavam feridos e não precisavam de assistência. Logo, uma primitiva pista de pouso foi construída e um Piper Super Cub começou a retirar as pessoas do local. Em 28 de maio, todos haviam voltado à civilização, mas as causas do acidentes permaneciam desconhecidas.

Descobrindo o culpado - Posteriormente, uma investigação em grande escala foi lançada. Uma estrada de 56 km foi feita na selva e uma pista de pouso foi construída no distrito de Lago Grande. A equipe trabalhou até 10 de setembro de 1952, chegando à conclusão de que a hélice e o motor Nº 2 separaram-se da aeronave, provavelmente devido a uma falha numa pá, o que levou à uma falha estrutural da célula. Antes desse acidente fatal, houve vários outros acidentes similares envolvendo o Stratocruiser.

Em 8 de agosto de 1952, os corpos das 50 vítimas do Clipper Good Hope foram retirados da selva pelo avião Curtiss Wright C-46A Commando - N74173), e em seguida, enterrados no cemitério São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro. Acabou assim uma das mais fascinantes e trágicas páginas da história da aviação comercial mundial.
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