28/10/2017 às 15h56min - Atualizada em 28/10/2017 às 15h56min
Ex-soldados da Guerrilha do Araguaia narram memórias e traumas em documentário; assista trailler
A guerrilha do Araguaia ocorreu entre os anos de 1972 e 1975 e foi um movimento de combate ao governo militar no Brasil / Associação Brasileira dos Ex-Combatentes da Guerrilha do Araguaia - ASBEGA
São muitas as lembranças que Elias Rodrigues Guimarães, 65 anos, tem de quando foi soldado em Marabá, cidade localizada no sudeste do Pará. Ele foi um dos ex-combatentes da guerrilha do Araguaia e narra no filme "Soldados do Araguaia" suas memórias e traumas. O documentário está sendo exibido na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
O filme dá voz a personagens que protagonizaram uma parte importante da história. Para o diretor Belisario Franca, "Soldados do Araguaia" é a oportunidade de se discutir sobre o que foi o terror causado pelo estado ainda de forma atual.
“Hoje a gente vive uma situação no Brasil em que parte dessa violência que foi vivida e atuada durante a ditadura militar ainda está presente e o discurso volta a ser falado com muita intensidade. Discursos que dizem que: "ah não foi tão bem assim". Veja, não foi só assim como foi muito mais grave do que imaginávamos, então talvez o filme seja uma oportunidade dessa discussão", reflete.
A Guerrilha do Araguaia foi a primeira guerrilha rural de combate ao governo militar no Brasil. Ocorreu entre os anos de 1972 e 1975 na região amazônica, ao longo do rio Araguaia, que fica na divisa entre os estados do Tocantins e Pará, e foi liderado, principalmente, por militantes do Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, mas também contou com a participação de estudantes universitários, operários, profissionais liberais e camponeses.
Segundo Guimarães, para combater o movimento, o Exército montou “tiros de guerra” em cidades do interior e lá recrutava jovens, como ele, na época com 20 anos, para ser combatente da guerrilha. Um dos traumas causados durante a atuação do governo militar na região foi quando ele viu o pai amarrado sendo levado de jipe para a Casa Azul, destino de muitos guerrilheiros e camponeses que sofriam sessões de tortura. A acusação que pesava contra o pai de Guimarães era o gosto pela leitura.
"Ele tinha tudo quanto era livro desses guerrilheiros, desses camaradas, de Cuba, os camaradas guerrilheiros e ele gostava de ler, ele tinha Lênin. Então ele tinha um monte de livros, tinha uma mini biblioteca, tinha uns 300, 400 livros, um monte dessa linha e eles [militares] viram esses livros do meu pai e por causa disso ele foi preso”, denuncia.
O pai de Guimarães foi interrogado o dia todo e jamais contou para a família o que ocorreu na Casa Azul e o senhor que gostava de livros nunca mais foi o mesmo. Os traumas ainda pesam e lembrar é difícil. Guimarães nunca recebeu apoio psicológico do Estado ou do Exército. A psicóloga Tânia Kolker, coordenadora do Projeto Clínicas do Testemunho no Rio de Janeiro, fala que certos abalos psicológicos de "causas políticas e ocorre de uma forma massiva, atingindo grande parcela da sociedade" reverberam nas próximas gerações: "A característica desses traumas é permanecer congelados e atuando nas subjetividades, produzindo sofrimento psíquico, que permanece, se erradia e que se tramite pelas gerações seguintes”, diz.
Ainda segundo a psicóloga o projeto Clínicas do Testemunho foi criado em 2013 no governo da presidenta eleita Dilma Rousseff e visa dar apoio e atenção psicológica aos indivíduos, famílias e grupos afetados pela violência praticada por agentes do Estado entre 1946 e 1988. Atualmente há clinicas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Norte e Santa Catarina. A ideia, inicialmente, era que se tornasse uma política pública, contudo, o projeto encerra em dezembro deste ano.
Os ex-combatentes da Guerrilha do Araguaia não chegaram a ser atendidos pelo projeto, seguem ainda silenciados pela historiografia oficial, mas Guimarães espera que o filme possa recontar e mostrar para as pessoas parte da história do país que poucos conhecem.
“O que eu espero é que as pessoas entendam o que aconteceu e que não deixe mais que isso venha ocorrer nesse país, que a gente já está vivendo um país tão diferente, mas parece que as coisas não mudam, digo politicamente, acho que as coisas continuam do mesmo jeito”, conclui.
O roteiro do filme "Soldados do Araguaia" foi produzido por Franca e pelo jornalista paraense Ismael Machado, que publicou uma série de reportagens sobre os ex-soldados no jornal Diário do Pará.
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