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13/02/2017 às 18h31min - Atualizada em 13/02/2017 às 18h31min

Documentário reconta histórias de ex-combatentes da guerrilha do Araguaia

Guerrilha ainda guarda muitos mistérios, principalmente sobre aqueles que estiveram em combate, os soldados

Lilian Campelo / Brasil de Fato
Reprodução / Brasil de Fato

A guerrilha do Araguaia ainda guarda muitos mistérios, principalmente sobre aqueles que estiveram em combate, os soldados. Recrutas que mal sabiam do que se tratava o movimento, mas que participaram dos horrores daquele período. Hoje, eles vivem assombrados pelos fantasmas gravados nas lembranças. 

Para contar essas histórias o jornalista Ismael Machado, em parceria com a produtora Giros Projetos Audiovisuais, está produzindo o documentário Soldados do Araguaia. Por meio de relatos dos ex-combatentes da guerrilha, o filme fala sobre as práticas de torturas e “a violência da ditadura naquele período”, explica Machado. “Ela atingia guerrilheiros, camponeses, índios, mas também não poupou seus próprios braços armados”.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o jornalista conta que o combate à guerrilha do Araguaia a transformou em um Vietnã. Ela terminou com “soldados repletos de sequelas e traumas trazidos de uma guerra suja. Os treinamentos foram desumanos, com soldados sendo crucificados, postos em paus-de-arara, tomando sangue de cobra etc, e depois da ‘guerra’, sendo abandonados pelo Exército, criando outra tropa, a de ex-soldados desajustados socialmente, bombas prontas para estourar”. 

Vencedor dos prêmios Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos em Jornalismo, Líbero Badaró de Jornalismo e outros, o jornalista informa que tem fascínio pela história desse período “como quase tudo que envolve a época da ditadura”. A ideia do documentário nasceu a partir de uma série de reportagens feitas quando era repórter especial de um jornal impresso em Belém, que na época, foram finalistas do Prêmio Esso.  

Na produção de Soldados do Araguaia, Machado atua como roteirista e co-diretor. É autor de vários livros como ‘Vapor Barato – O Amor em Tempos de AIDS’ (livro de contos), ‘Decibéis sob Mangueiras -Belém no cenário rock Brasil dos anos 80’, ‘Sujando os Sapatos - O Caminho Diário da Reportagem’ (livro-reportagem) e ‘Golpe, Contragolpes e Guerrilhas: O Pará e a ditadura militar’ (2014), vencedor do Prêmio IAP de Literatura 2013, na categoria Livro-Reportagem.

O documentário inicia a fase de edição do vídeo e deve ficar pronto em abril. Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Por que fazer um documentário sobre os soldados do Araguaia?

Ismael Machado: Soldados do Araguaia é resultado de uma parceria empreendida com a produtora carioca Giros Projetos Audiovisuais. Soldados do Araguaia partiu de uma série de reportagens minhas para o jornal Diário do Pará, à época que trabalhei como repórter especial. Foi uma série que chegou a ser finalista do Prêmio Esso. Relata a história dos recrutas que foram levados a combater guerrilheiros no Araguaia durante a ditadura militar. Nos últimos anos, contar as histórias que cercam a guerrilha do Araguaia tem sido um caminho para diversos livros e reportagens. Isso porque o Exército e o Governo Brasileiro quiseram, durante muito tempo, botar essa história para debaixo do tapete. É uma história que me fascina, como quase tudo que envolve a época da ditadura. 

O caminho escolhido é uma rota diferente das abordagens que costumam ser dadas a esse episódio. Estamos contando a história a partir dos relatos dos soldados. Não os oficiais, mas os recrutas que pouco sabiam a respeito da guerrilha. Isso faz com que tenhamos outra visão também desse momento, que é o fato de ter a guerrilha do Araguaia se tornado o nosso Vietnã, porque resultou em soldados também repleto de sequelas e traumas trazidas de uma guerra suja. Os treinamentos foram desumanos, com soldados sendo crucificados, postos em paus-de-arara, tomando sangue de cobra etc e depois da ‘guerra’ sendo abandonados pelo Exército, criando outra tropa, a de ex-soldados desajustados socialmente, bombas prontas a estourar.   

O que mais lhe chamou a atenção durante as filmagens? 

Tem vários relatos. Teve um soldado que perdeu um dos testículos em consequência de punição no pau-de-arara. Tem ex-soldado que já trocou sete vezes de companheiras porque elas não conseguem segurar a barra de viver com um homem que tem pesadelos diários. Uma delas acordou a base de socos dado pelo soldado que achava estar sendo perseguido por Osvaldão, o guerrilheiro mais conhecido do Araguaia. Tem soldado que se tornou alcoólatra, outro que chegou a tentar suicídio. Há um ex-soldado que foi violentado por um oficial que já estava acostumado a sodomizar os subalternos apontando-lhes arma na cabeça. E a violência do estado assumia graus tão refinados de crueldade que um soldado contou ter sido obrigado a levar o próprio pai para a prisão. Esse pai foi torturado e nunca mais foi o mesmo homem. O que o filme irá mostrar é que a violência da ditadura naquele período e local era generalizada. Atingia guerrilheiros, camponeses, índios, mas também não poupou seus próprios braços armados.  

O que a guerrilha do Araguaia representou para o Pará?

Ela sintetiza bem o que sempre foram a colonização e a presença da União no estado. Todos os conflitos que antecederam a região e que vieram posteriormente estão espalhados durante os anos em que a guerrilha assombrou o sudeste e o sul do Pará. Os próprios relatórios feitos por gente como o general Bandeira e o major Curió alertam e denunciam a grilagem de terras, a corrupção, a violência de latifundiários sobre os camponeses com o auxílio luxuoso da Polícia Militar. Os conflitos que vieram depois como Perdidos, Caianos, Cajueiro, a prática intensa da pistolagem, a perseguição política na região, o poder do capital (mineradoras, madeireiras, monoculturas), tudo está ali centrado nas questões que envolvem a guerrilha do Araguaia.

Passado tanto tempo, o que precisa ser dito?

Tudo. Porque a verdade tem saído a conta-gotas. O Brasil tem uma estranha e péssima mania de não encarar sua própria história. Há muito a ser dito sobre o que aconteceu naquele pedaço de Brasil. Tanto do lado do PCdoB como do lado do Exército. Seria necessário que todos se desarmassem e ponderassem sobre a necessidade de sabermos, por exemplo, que fim foram dados aos corpos dos guerrilheiros. Precisamos saber quantos camponeses foram mortos, quantos soldados foram vilipendiados por seus oficiais, como foi a participação dos índios no conflito. Sempre que se busca algo sobre esse período, surgem coisas novas para se contar. 

O Major Curió foi, de fato, o responsável pelo massacre?

Foi um dos responsáveis. Não foi o único. Muitos ‘doutores’, como se chamavam os oficiais que ministraram tortura, já estavam lá antes do Curió chegar. Mas o Curió foi o principal responsável pela fase mais nebulosa dessa história, que vai desde o extermínio dos combatentes, da Operação Limpeza que buscava destruir todos os rastros e sinais da guerrilha e o profundo clima de terror e medo que ele impôs naquela região depois que a guerrilha acabou. 

O documentário já tem previsão de lançamento?

Soldados do Araguaia foi contemplado num edital do CineBrasilTV. Essa seria a primeira janela do filme, ser exibido em um canal fechado de TV. Já foram encerradas as etapas de filmagem e o documentário vai iniciar a fase de edição agora. Até abril deve estar pronto. A intenção da Giros é que ele percorra o circuito de festivais nacionais e internacionais de cinema e ganhe as telas de cinema também. 

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